domingo, junho 26, 2005

DA PERCUSSÃO À CIDADANIA

A educação e a arte foram o assunto do debate realizado no dia 27 de Maio na abertura da I edição do "Festival Portugal a Rufar", no Seixal.

O musicólogo Domingos Morais, com a colaboração do percussionista Pedro Carneiro, conduziu um debate sobre o fenómeno das orquestras de percussão em Portugal. A conferência, que se desenrolou numa conversa informal, realizou-se na galeria Augusto Cabrita, da Biblioteca do Fórum Cultural do Seixal.


Portugal a Rufar: O festival abriu com uma conferência sobre a percussão na cultura portuguesa. À noite, Pedro Carneiro juntou-se aos 'O ó que som tem' para um concerto que juntou a música erudita e popular.
foto: alexandre simas dias


A princípio procedeu-se ao visionamento de um vídeo sobre os “Tocá Rufar” e uma pequena montagem de excertos de filmes de M. Giacometti, com o título “Percussões Populares”.

De acordo com Domingos Morais, professor na Escola Superior de Teatro e Cinema, as imagens foram recolhidas a partir dos anos 60 e transmitidas pela RTP de forma irregular durante os primeiros anos da década de 70.

Domingos Morais pretendeu com esta selecção dar “uma percepção de como a percussão está presente na raiz cultural portuguesa”, e por consequência, “no mundo do trabalho, do lazer e do cerimonial”. Daí que “o fenómeno da música de percussão tenha um lugar muito importante na cultura do nosso país”.

Desde a senhora do almortão ao som do adufe, aos ritmos e cantos de trabalho da Figueira da Foz, à música turca do Fundão e à marcha das cornetas, o documentário apresentado contou com a atenção da pequena plateia de 25 pessoas que ali se deslocou.

Não nos esqueçamos, ainda, do fandango de Condeixa-a-Velha tocado pela gaita de foles acompanhada pelo tambor e caixa, e da Dança dos Palitos de Miranda do Douro. Este género de expressão da música polpular assume já um carácter de função festiva, que neste caso encontra fenómenos semelhantes na Galiza, Extremadura e Castela.

”Público de calças de ganga”

Após o visionamento do vídeo, Domingos Morais questionou o público sobre a pertinência do fenómeno dos agrupamentos de percussão, como os Tocá Rufar ou os Tocándar, no processo educativo da juventude portuguesa. “Será que é supérfluo ou é essencial?”

O contributo para o crescimento cívico é inquestionável, uma vez que “há uma afirmação espantosa do corpo e do espírito da pessoa. Os alunos tornam-se mais afirmativos e descomplexados sobre o que não sabem e querem aprender”, salientou.

A eventual dúvida sobre a validade destas iniciativas surge a propósito do facto de a cultura ser a primeira a servir de exemplo quando se trata de cortes orçamentais. Por isso, “importa saber se este é um trabalho para o desfile de um ano, ou se participar neste tipo de coisas muda alguma coisa nos participantes”, realçou Domingos Morais”

O musicólogo, e antigo colaborador de Veiga de Oliveira no tratamento das recolhas deste último, destacou ainda o facto de este tipo de acções fomentarem nos jovens a capacidade para lerem e compreenderem as obras contemporâneas, “pois torna-os mais aptos para a compreensão da linguagem contemporânea da música, do teatro e da dança”.

De facto, “a participação nestes conjuntos de percussão promove um trabalho pessoal interior, ao longo de todo o ano lectivo, que quebra a distância entre os contemporâneos e o público”, sublinhou.

Pedro Carneiro, percussionista da área da música erudita, realçou a acção liderada por Rui Júnior com os Tocá Rufar. “Trabalhar o ritmo leva-nos a organizar melhor o nosso quotidiano e dota-nos de capacidades para realizar projectos em qualquer área”.


Xenakis antes de saltar do papel
foto: alexandre simas dias


Carneiro, percussionista português com uma carreira solista firmada nos circuitos internacionais, começou por fazer o contraponto entre a pressão exercida sobre os alunos de música clássica para “não falhar” e a “consequente perda da vertente lúdica”.

Ao recordar a sua passagem recente por Córdova, onde esteve a leccionar, referiu os estudos desenvolvidos na área da psicologia acerca da “ansiedade de palco”. Na música clássica, este tipo de fenómeno é responsável por cerca de 60 por cento de desistências entre os estudantes.

Neste sentido, Pedro Carneiro chamou a atenção para a necessidade de focalizar a educação no processo educativo e não no objectivo da interpretação por si só. “É necessário desfrutar do prazer da música e de fazer parte de uma equipa”, defendeu.

A terminar, concluiu que educar na música e com a música é criar “consumidores compulsivos de arte. É aquilo a que eu chamo de público de calças de ganga. São aquelas pessoas que estão interessadas em fruir da criação artística, ao invés da mera afirmação social.”

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