quinta-feira, outubro 20, 2005

Naxela Samis Said


quarta-feira, outubro 05, 2005

Bailarinos em vez de Soldados


Nelken, Cravos, é uma peça de uma simplicidade surpreendente que convoca o espectador para um mundo dual, onde a comunicação se faz pela recusa e a troca com hostilidade.

Quando Pina Bausch estreou esta performance, em 1982, estava a exprimir com particular veemência a afirmação de uma ainda nova forma de espectáculo, o teatro-dança. Um dos bailarinos executa com exceptional competência e elegância diversos clichés da dança clássica, seja o tour en l’air, um grand jeté en tournant, ou o entre chat six. Simultaneamente, dirige-se à plateia dizendo, vejam como sei fazê-lo.

A crítica evidente à inércia do gosto pretende despertar as mentalidades para novos horizontes de expressão, onde a perspectiva histórica e a intervenção na política da cidade encontra aqui um singular meio de acção.

A peça começa com a entrada em palco de alguns bailarinos que transportam as cadeiras onde se vão sentar distribuídos pelo palco. Outros descem à plateia: as bailarinas convidam homens a acompanhá-las para fora da sala e os bailarinos tomam a mão de mulheres para que os sigam até ao foyer. Neste início, uma espécie de alter ego vigilante entra tímido e misterioso carregando um acordeão sobre o corpo nu da bailarina e sai em silêncio, repetindo o mesmo acto no final.

Este ‘rapto’ de diversos espectadores vai dar lugar mais tarde a outra descida à plateia, mas desta vez para trocar abraços com o público, mostrando que a arte faz parte do nosso quotidiano, do nosso corpo, do nosso espírito, espaço livre de fronteiras.

Não nos podemos esquecer que em 1982 vivíamos o auge da Guerra Fria, e a Alemanha, dividida em duas repúblicas, albergava o símbolo maior dessa época. O muro de Berlim não é representado de forma evidente, mas podemos imaginá-lo quando, a determinado momento, dois duplos saltam do alto de duas plataformas que ocupam os flancos do palco.

Mas ainda no princípio... o palco está coberto de cravos cor-de-rosa, no centro um actor reproduz em linguagem gestual uma canção de amor amplificada para o público. A luz atinge uma intensidade extrema, quase incandescente que nos embebede numa idílica ilha inocente da idade do ouro.

Deste chão primaveril, o espectáculo evolui para uma atmosfera de quase ground zero.

Os performers reproduzem pueris um jogo de movimentos, ora minimalistas em uníssono, ora em cânone. Porém, são interrompidos por patrulhas de segurança munidas de cães da Alsácia. Outras vezes, é um oficial prepotente que exige ver o passaporte, ou ordena que executem actos de humilhação como a imitação de animais, o que lembra o que se passa hoje - o comportamento de soldados ingleses e americanos sobre prisioneiros iraquianos.

A simplicidade do movimento, entrecortado pela vitalidade teatral mais complexa, leva-nos a ver nesta peça, mais do que teatro-dança, uma construção coreogáfica lúdica que se desenvolve e nomeia num teatro-físico.

A fisicalidade revela-se no referido minimalismo e no cânone do movimento, escola criativa que ao longo dos anos tem sido mimetizada aqui e no resto da Europa. O elenco é constituído por profissionais de excepcional técnica e virtuosismo, embora fisicamente uniforme.

A terminar, regressamos à harmonia inicial, desta vez, num desfile repetitivo, onde mais uma vez a linguagem gestual intervém para nos recordar que o mundo passa também pelo crivo ecológico das estações do ano e das escolhas que fazemos para as nossas vidas.

Um a um, os performers revelam a razão da sua entrada no mundo da dança. Ora por razões terapêuticas, ora por paixão amorosa, ou simplesmente..., “porque não queria ser soldado!”

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