quarta-feira, setembro 21, 2005

PETER PAN

Se enchermos um comboio de pessoas e lhes dissermos para falarem, ou simplesmente palrarem, entre elas ou com ninguém e sobre tudo ou sobre nada, do ruído produzido até pode transparecer que vão animadas por assuntos mais ou menos elaborados, ou mais ou menos mesquinhos.

O mesmo se passa com o “Nunca-Terra, em vez de Peter Pan” de Miguel Castro Caldas, que Bruno Bravo encenou com os Primeiros Sintomas.

Do princípio ao fim assistimos a um ritmo quase alucinante de deixas e contra-deixas, interpelações e respostas, que nos conduzem por uma algaraviada de palavras e assuntos em que o desempenho dos actores se articula de um modo que miraculosamente segura o fio da meada... até ao suspiro final!

Que o Peter Pan não quer crescer já todos sabemos, mas aqui quem também não deseja que ele cresça são os pais, ou alguém que fala pelos pais. As despesas que os filhos representam, como condicionam a vida, o trabalho, as férias...

E depois há aqueles filhos que querem nascer, mas os pais, ou a mãe, não querem. Por entre, “os pouca-terra”, ou “os ossos doem-me – será que estou a crescer?”, o filho que quer nascer, interpretado por André-Levy, lá surgia a pedir para vir ao mundo, como que deambulando perdido pelo palco, ou no mundo imaginário da criança que o quer ser.

No diálogo que o autor e encenador abriram ao público no fim da representação da estreia o asssunto foi abordado pela plateia fazendo ressonância da questão do aborto cujo referendo se aproxima. Embora Miguel Castro Caldas tenha recusado qualquer paralelo com o tema “interrupção voluntária da gravidez”, não soube explicar a razão mais ampla que pretende com a intervenção desta personagem.

Como dissemos, a entrega que o elenco todo empregou na actuação captou a atenção do público ao longo da hora e meia de constante e obsessivo rame-rame de palavras e ditos, de trocadilhos e quase-esgares pueris, aqui e ali pontilhados de referências à actualidade mediática política e partidária ou meramente televisiva.

Cremos que o efeito pueril do palrar frenético de racionalidade onomatopaica que transborda da personagem que serve de pré-texto consegue uma eficácia e naturalidade, que se tornam já muito superficiais aquando da introdução forçada, ou já com menos engenho, de epifenómenos de cariz pseudomediático, porém, facilmente percetíveis pela assistência, portanto, de efeito garantido. A mesma fragilidade aplica-se a alguns dichotes enroupados por lugares-comuns, ainda que muito raros.

Este Peter Pan que mora “na segunda à direita, sempre em frente até de manhã” é um gozo lúdico meio-louco, mas não nos transporta para a fantástica Terra do Nunca, onde se é eternamente jovem, antes nos empurra “daqui para ali” e “dali para aqui” onde “andamos muito antes pelo contrário” de “caras e cáries” ou “ser outra coisa”, “demasiado, masiado”...

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