terça-feira, novembro 01, 2005

ALICE


Desespero, obsessão e resignação são os sentimentos que Mário percorre pelas ruas de Lisboa na vã esperança de encontrar a filha Alice.

Ora repetindo o trajecto do dia em que a menina desapareceu, ora instalando 11 câmaras em diversos pontos da cidade, o pai de Alice naufraga há quase 200 dias numa anestesia brutal provocada pela dor da perda, pela dor grotesca da ausência de uma pessoa que se ama e é indefesa.

A descrença total na acção policial, o conformismo perante o interesse e desinteresse canibalesco dos meios de comunicação social, o passar dos dias, a busca alucinante por sinais e pistas, corroem o espírito da vontade de viver e em simultâneo alimentam a persistência autofágica da esperança.

Rodeado de amigos que lhe cedem a janela da casa, o telhado do prédio, ou a varanda da sobreloja onde trabalham, e até as câmaras do aeroporto, Mário constrói uma rotina obsessiva de gravação e substituição de cassetes, visionamento de imagens, impressão de fotos de crianças que passam na rua, mas sem nunca encontrar a filha...

Os amigos estão sempre disponíveis, mas todos sabem que aquilo é doentio, que não leva a lado nenhum. Todos sabem mas não o verbalizam. Dizem-no com os olhos, com os trejeitos da cara, com a aceitação incondicional de quase nunca o questionarem.

O desempenho de Nuno Lopes, envolvido por uma fotografia que nos dá uma visão amassada da cidade e da hostilidade nauseante dos subúrbios, transportam o espectador a um estado emocional de partilha da dor daquele pai e do desesepero atordoador que a mãe, a actriz Beatriz Batarda, liberta em explosões de desvario.

O filme chega ao fim e estamos todos resignados.

A plateia levanta-se pesarosa quando as luzes se ligam.

Fica a perplexidade da impotência esmagadora perante a tragédia da ausência da filha desaparecida, do despojamento imposto do amor!

Este filme de Marco Martins não serve para entreter. O realizador e autor do argumento, mais do que usar o tema do desaparecimento de uma criança para fazer um filme, trabalha uma realidade vivida por milhares de pessoas por esse mundo fora.

É uma tragédia que ignoramos e continuamos a ignorar porque ainda só aconteceu aos outros.

Ao visionar ALICE somos envolvidos por uma experiência estética que nos absorve a sensibilidade física e psíquica, consequência da luz, do grão, da música, da obsessão do pai, do desespero da mãe, da dor transfigurada na cara do colega, o actor Miguel Guilherme, que quase sem falar, sem muito dizer, nos antecipa, qual coro grego, com o peso do cenho dorido a evidência final de ceder à resignação.

Ao visionar ALICE, ficamos a saber que marcámos encontro com uma obra de arte onde a catarse não é possível...

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