domingo, novembro 20, 2005

SANGUE SECO

No dia em que a morte acordou, o dia estava cerrado numa noite de breu e gelo.

A torre de Babel sofrera de um colapso mental que matou o ruído e a linguagem. Os pigmeus continuaram a construí-la até cobrirem o dia do céu numa noite de breu e gelo.

A morte dormia.

Deus estava acordado.
De olhos esbugalhados assistiu à invasão dos seus domínios. Durante trezentos mil anos de buracos negros puxou pelos cabelos sem perceber a razão daquele silêncio que deixava os pigmeus ocupados na construção das paredes que cresciam até ao seu quintal!

A morte acordou.
Levantou-se, passou a mão pela barba, caminhou ensonada até à casa de banho e abriu a porta de espelho por cima do lavatório.
Do respirador vinha uma aragem que lhe arrepanhou a nuca, alastrou como uma coroa pelas orelhas e desceu da testa para o nariz.
Um arrepio puxou-lhe um espirro do fundo da garganta empurrado pelas tripas do abdómen. A cabeça disparou para a frente e rasgou a cara na quina da porta de espelho.

O sangue estava seco.

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